terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Dores emocionais

Olá! 
Dando continuidade (e não dando), hoje estava pensando no quanto as dores emocionais são invisíveis. São as piores. As dores físicas, propriamente ditas, aquelas causadas por algum fenômeno material, são menos piores, pois existem milhões de remédios em inúmeras farmácias em todos os lugares. Além do mais, são reconhecidas facilmente e também facilmente respeitadas.
As dores emocionais são quase sempre tratadas com ceticismo e descaso até mesmo por quem sente, que muitas vezes, como reflexo de alguma crença proibidora, a trata de forma arbitrária e leviana, não legitimando a sua razão de ser ou a importância.
A causa é simples de ser compreendida. Qualquer pessoa que imagine a si mesmo golpeando com a canela a quina de uma parede, por exemplo, é capaz de imaginar também a sensação de dor. A dor física é facilmente compreendida, uma vez que o sistema corporal é, de modo geral, igual!
E caso eu apareça em qualquer lugar com a canela roxa e sangrando, todos a minha volta serão empáticos e solidários. Dificilmente alguém me pediria para "andar direito".
Entretanto, a subjetividade das dores emocionais, assim como seus mecanismos, não são facilmente visíveis, tampouco identificáveis. A angustia que corrói um ser humano por dentro, pode ser ignorada por todos durante toda uma vida, até que ela se manifeste no corpo físico. 
Perdi as contas de quantas vezes ouvi um: "anda direito, menina, sua dor não é legítima", nos momentos em que me senti triste e angustiada. 

As dores emocionais são como as dores físicas, porém, localizadas na nossa alma. Por isso apenas os olhos sensíveis, os médicos de alma, são capazes de identificar e ser sensíveis a elas. 

Para ver a dor do outro é necessário empatia, sensibilidade, sabedoria. É necessário conhecer para reconhecer. Não há reconhecimento sem conhecimento. Quem nunca foi posto pela vida em situações que lhe causassem conflitos emocionais e afetivos, e por isso nunca experimentou sentimentos profundos e intensos de angustia, o que pode dizer a respeito da dor do outro??? Nada. Apenas julgamentos tão superficiais quanto seus próprios sentimentos. Afinal, só somos capazes de julgar (ou discernir) no mundo a partir de elementos que compõem a nossa própria vivência. 
Agora imaginem só se cada dor, cada tristeza e cada angústia se manifestasse imediatamente no corpo físico? Tipo, se alguém te ofende e sua zona de tensão é a garganta, você ficasse literalmente com a garganta tampada, vermelha, inflamada... Ou se a pessoa que levasse um fora no relacionamento  tivesse imediatamente uma parada cardíaca ou lhe aparecessem hematomas sobre a pele do coração. Imagine se as dores emocionais, fossem ao invés de invisíveis, manifestadas sobre a pele em forma de feridas e hematomas... imagine só como seriam as pessoas. 
Pensando nisso tenho uma projeção bizarra de pessoas roxas, sangrando, amputadas e deformadas andando na rua. Imagino uma pessoa com o peito literalmente aberto, com uma ferida exposta no coração. Imagino outras com o rosto machucado, com o pescoço vermelho, a barriga sangrando. 
Toda forma de dor seria reconhecida. A partir daí, talvez existissem leis nos direitos humanos que preservassem o ser humano das feridas emocionais. Algo do tipo: "É considerado crime hediondo ferir o coração de outra pessoa". Já pensou???

Más não! Infelizmente temos que aprender a cuidar das nossas próprias dores emocionais e das nossas próprias feridas ao invés de contar que outra pessoa faça isso por nós. E pode até ser que apareça alguém disposto, mas você terá que ter coragem de mostrar suas feridas e esperar que o outro tenha boa vontade para tratá-lo. E também terá que correr o risco de que venha alguém e diga: "ande direito! Olhe quantas coisas boas existem na sua vida."
Acontece que quando estamos gripados, com febre, com o pé quebrado, com dengue, com câncer, ou com seja lá qual for a doença, você pode olhar para todas as maravilhas existentes na face da terra, que nenhuma dessas visões servirão de remédio para o seu mal. É tão simples, né?! 
Não precisaríamos de médicos se todas as dores se curassem apenas com o auxílio do tempo. Mas é assim que "tratamos" os outros e a nós mesmos quando sentimos alguma dor emocional. E quando digo "tratamos", me incluo completamente. 
Percebo que fui criada numa sociedade que super valoriza um perfil não humano para o ser humano. Ausência de conflito, receitas e padrões para a felicidade, adequação e inadequação... todas as coisas que devemos e não devemos ser para receber a recompensa FELICIDADE. 

Um belo dia me propus e viver todos os meus conflitos. A olhar para todas as minhas dores. E reconhecendo em mim, reconheci que o outro também sofre. E assim comecei a ver melhor a dor do outro.

A dor do outro me inquieta. A minha dor não só me dói, mas me liberta de uma certa ignorância afetiva para uma transcendência muito cara e estranha.
Se fôssemos todos médicos de almas...

O papo está bom mas, pra variar, é tarde. Até breve.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Fantasmas



Hoje o dia é para falar sobre os fantasmas da existência. O que penso que sejam e como entendo que funcionam.
Há todo momento criamos fantasmas e convivemos com eles. Significam nossas experiências dolorosas, nossas lembranças tristes, nossos medos e inseguranças.
As experiências dolorosas ficam marcadas em nossa memória afetiva como tatuagens. Elas se configuram por meio de nossos medos de maneiras inimagináveis.
A maior parte dos nossos medos é desconhecida por nós mesmos e se manifesta de uma maneira que nem sequer supomos. É o que Freud chamaria de “manifestações do inconsciente”. Krishnamurti chamaria de condicionamento, que nada mais é do que um modelo inconsciente não percebido pelo ego, e Augusto Cury chama de janelas killer, que significam uma crença estabelecida a partir de uma experiência significativa, que desencadeou algum modelo de comportamento. Poderia citar Lao Tse, Osho, Masaharu Taniguchi e outras personalidades que falam sobre a mesma coisa, cada qual a partir de uma ótica específica.
Eu gosto de chamar de fantasmas. Um fantasma é alguém morto que volta para estar com os vivos, assombrando, perturbando e querendo estar no tempo errado, se recusando a permanecer no passado.
Mas nesse contexto simbólico, esses fantasmas representam algo que não conseguimos deixar morrer, uma experiência que não superamos e que alicerçou algum padrão conflituoso em nós.
Todas as vezes que nos deparamos com alguma situação de conflito interno, devemos procurar observar a motivação que existe em nós para gerar o conflito. A motivação normalmente se manifesta no desejo. O conflito só existe quando existe desejo. Se não há desejo, não há conflito. E quem deseja é sempre o ego. O “eu” deseja tudo, projetando a satisfação no objeto. Antecipando um prazer idealizado na figura ou cenário almejado.
Mas não condenemos o senhor Desejo. Ele é o responsável por tirar o homem da inércia. É o desejo, o impulso, a necessidade. Se não houvesse nada disso, o homem sucumbiria a própria existência.
O desejo existe justamente para gerar conflito e com isso experiências, que por sua vez geram mais conflitos, que geram amadurecimento e libertação do desejo. Parece tão contraditório. Paradoxal, diria! Mas o que é a existência se não algo somente e extraordinariamente paradoxal?
A diferença é que saímos de um estagio de não desejo ignorante, no sentido próprio da palavra mesmo, para um sentido de não desejo consciente. Atenção à palavra consciente. O que ela quer dizer: Com ciência. Estar ciente, saber. Não basta ser uma pedra e não ter consciência de que se é uma pedra e que existe. Uma pedra não pensa que é uma pedra (ao menos não sabemos disso). Não sabemos nem mesmo se um animal como um cachorro, ou uma vaca pensa em si como um cachorro ou uma vaca! Tanto pensamos que eles não pensam, que elegemos alguns deles para comer apenas por prazer. O ser humano tem consciência de que é um ser humano e se autodefine de várias maneiras. Também se descobre como indivíduo biológico e espiritual. Questiona-se sobre a própria existência e contempla suas dimensões material e transcendental – racional e emocional. Mas nunca sabemos onde, exatamente, está a linha que separa cada dimensão. Nossas conjecturas humanas são, de tal forma, superficiais, que não passam de elucubrações. Ainda há tanto a se saber sobre o que se há pra saber!
A mente funciona como um grande computador processando todos os comandos que lhe foram programados. Muitas vezes uma programação causa extremo conflito e o conflito gera angustia, a angustia gera dor e a dor gera movimento, que por sua vez gera mudança, que promove a experiência, que vira conhecimento e por fim evolução – não necessariamente nesse dinamismo.
Eu poderia citar a harmonia pré-estabelecida para explicar como vejo a parte da direção, (do rumo do processo) mas já me alonguei demasiadamente nesse post. Tenho que deixar assunto para a próxima.  
Por hora permaneço mais restritamente no assunto dos fantasmas. Quando eles nos assombram, devemos confrontá-los. Perguntar o que querem resolver e por que ainda estão ali. E sem ditadura devemos apresentar as novas “regras” do momento presente. As regras do aqui e agora devem ser estabelecidas sempre no aqui e agora. O agora é o ponto do poder. Não precisamos seguir regras internas estabelecidas em algum momento do passado com base em alguma experiência mistificada, que não existe mais.
Lembro-me bem de um momento da minha vida que me dei conta de que seguia uma regra estabelecida em algum outro momento insignificante da minha infância. E foi exatamente como quem não quer nada que me dei conta de que eu não era obrigada a permanecer em nenhum ambiente em que me sentisse hostilizada. Seja de que maneira fosse. Mesmo que essa hostilidade fosse imaginada, mesmo que fosse reflexo de algum complexo infundado, mesmo que fosse apenas uma impressão equivocada. Nesse dia eu estava na Itália. Tinha ido tentar uma vida melhor, mais abundante, digamos assim! Abundante de recursos, de vivências, de experiências... Sem me alongar, passei por poucas e boas para viver dignamente naquele país estrangeiro. E ao pensar no Brasil, lembrei-me de alguns momentos de minha infância e de toda uma história vivida na casa de meu pai, lugar onde sempre me senti inadequada, indesejada e hostilizada e naquele momento decidi que ao voltar para o Brasil não mais o visitaria e nem mesmo permaneceria em qualquer outro lugar em que me sentisse daquela maneira. Devem estar pensando no quão óbvia foi essa escolha. Mas é preciso sabedoria para enxergar o óbvio da própria vida. Temos preguiça e medo de ver o óbvio, pois os clichês e as sabedorias populares são tão mais fáceis e nos “respalda” sempre.
Devo continuar em outro momento, devido o horário. São 3:55 da manhã. Prometo voltar e concluir.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A tristeza permitida


Se eu disser pra você que hoje acordei triste, que foi difícil sair da cama, mesmo sabendo que o sol estava se exibindo lá fora e o céu convidava para a farra de viver, mesmo sabendo que havia muitas providências a tomar, acordei triste e tive preguiça de cumprir os rituais que faço sem nem prestar atenção no que estou sentindo, como tomar banho, colocar uma roupa, ir pro computador, sair pra compras e reuniões – se eu disser que foi assim, o que você me diz? Se eu lhe disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei energia nem pra sentir culpa pela minha letargia, que hoje levantei devagar e tarde e que não tive vontade de nada, você vai reagir como? 

Você vai dizer “te anima” e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer pra eu colocar uma roupa leve, ouvir uma música revigorante e voltar a ser aquela que sempre fui, velha de guerra. 

Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra. 

A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido. 

Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente – as razões têm essa mania de serem discretas. 

“Eu não sei o que meu corpo abriga/ nestas noites quentes de verão/ e não me importa que mil raios partam/ qualquer sentido vago da razão/ eu ando tão down...” Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara. “Não quero te ver triste assim”, sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for. Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia. 

Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos.

Martha Medeiros