domingo, 3 de julho de 2016

Eu pareço pedra, eu queria ser pedra... Mas nasci flor.

Imagem escolhida pela minha amada filha.
"Se você fosse uma flor, seria um jardim inteiro." (Sofia)
Quantas histórias guardamos lá no fundo do nosso arquivo de memórias. As vezes ficam tão guardadinhas que nem lembramos mais que fazem parte de nós, que nos constitui. E mesmo que a gente ignore, ou aparentemente esqueça, suas flores e espinhos continuam lá. E vez ou outra os espinhos vem incomodar. 

Estamos todos em busca da felicidade. Queremos ser amados e acolhidos. O afeto é o alimento da nossa alma, é o que nos nutre, nos supre. Quando sentimos que não recebemos afeto o suficiente, quando nos deparamos com a sensação de solidão, de desamparo, de insignificância, tentamos nos proteger de uma dor invisível, impalpável, intangível.

Quando somos crianças o mundo é muito mais sensorial e simbólico. Um abandono ou uma agressão pode se tornar uma tragédia e roubar para sempre esse ser humano de um espaço sagrado de ser ele mesmo, da autenticidade, da segurança. Esse espaço pode ser preenchido com outras sensações desagradáveis que vão nortear as escolhas, a visão de mundo, as relações... nos tornamos reféns das nossas dores e dos nossos medos até nos libertarmos deles. 

Como mulher não é surpresa que confesse as dores e delícias de uma vida a driblar os estigmas da sexualidade, maternidade e vida moderna. E como ser humano hei de confessar que ainda convivo com aquela criança que outrora fui e que caminha comigo sedenta com suas dores e angustias. É uma "criança mulher" que carrega algumas memórias extras, peculiares dessa natureza de existência.

Hoje essa criança bate na minha porta e pede para falar-me. Pede para ser ouvida e cuidada. Ela quer compreender por que a ignorei tantas vezes e não quis dar o devido valor à suas queixas, à suas necessidades, à sua carência. Ela quer que eu a pegue no colo e diga que está tudo bem, que não vou mais sair dali e nem dizer que é bobagem qualquer que seja a sua crise.

Quando a nossa criança é negligenciada ela sofre e se sente amuada. E lá se vai ela para um cantinho qualquer se esconder, para se proteger dos monstros que vê e dos que não vê. As vezes ela fica lá escondida por tanto tempo que até esquecemos que ela existe. 

As vezes criamos uma armadura forte para dar a sensação de segurança.  Daí passamos uma vida com dores nas costas sustentando o peso daquela armadura pesada. É preciso força, e aprendemos a por força em tudo... parecemos fortes. E todo mundo a vê como se fosse você e pensa que se trata de um guerreiro forte e resoluto que encara a vida com coragem. Mas a criança está lá embaixo da cama chupando seu dedo apavorada. 

De repente me vi mãe dessa criança. De repente me vi mãe de mim mesma. Que com cuidado devo perceber os perigos da vida e cuidar dessa pequena para ensiná-la a crescer. Tudo muda de perspectiva.

As crianças são alegres e leves. Mas não há leveza quando existem dores. A leveza consiste em despir as armaduras e flutuar na existência. E felicidade é conseguir ouvir sem medo as mensagens que o coração manda, sejam quais forem, ainda que tristeza. Afinal, poder ser triste também faz parte da felicidade. E sabedoria é ver com clareza o que se passa de fato, por detrás dos véus, por detrás das máscaras, por detrás dos escudos e armaduras. 

A sabedoria permite o voo da liberdade, aquele em que a nossa alma se expande em amor e perdão, inundando o nosso ser da plenitude que nos equilibra e nos coloca no centro de nós mesmos e das nossas vidas. Nos leva aos céus e entre as nuvens contemplamos a luz.