quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Já olhou pra dentro hoje?

O ser humano é incapaz de reconhecer no outro um sentimento que nunca tenha, de certa forma, experimentado. Poderá ter conhecimento da existência, mas jamais saberá como é se não for vivido por si memo. A ideia do que seja um sentimento não significa a compreensão do mesmo. Seria como tentar descrever o orgasmo. Não há descrição, por mais fiel que seja, que defina ao outro de maneira que possa conhecer verdadeiramente.
Da mesma forma, enxergamos no outro apenas aquilo que já existe em nós. E muitas vezes enxergamos algo que nem sequer existe no outro. As interpretações do outro são sempre influenciadas pelos nossos vícios de pensamento e também por quem nós somos. Por esse motivos existem as divergências nas impressões.
Em relação aos nossos próprios sentimentos, sobre a percepção que temos deles e dos aspectos da nossa personalidade, acredito que podemos lidar com eles de duas formas. Uma delas é reconhecendo-os. A outra a negando-os. Quando reconhecemos, chamamos de auto-conhecimento. Quando negamos, nem sequer nos damos conta de que fazemos isso. Por algum motivo fechamos nossos olhos interiores para proteger nosso ego da decepção de sentir algo que moralmente consideramos feio, inadequado ou incorreto. 
Quando há a compreensão de um sentimento em nós e o reconhecemos no outro, o respeitamos e somos sensíveis a ele. Porém, quando não reconhecemos um sentimento em nós mesmos, o julgamos no outro ou julgamos o outro, enclausurando-o em definições que são nossas, ou genéricas, porém, superficiais e de certa forma, incoerentes.
É por isso que se diz, que não é possível ter maturidade sem vivência e sem humildade. Pois quem não tem vivência, não teve a chance de experimentar diversas situações e sentimentos para ter a chance de aprender a lidar com eles. E quem não tem humildade, acha que já possui todas as verdades e definições de que necessita e fecha-se para o novo. E quando se está fechado, está aparentemente protegido, porém, cego para os que estão a sua volta e para o que se passa dentro de si.
A maioria das pessoas acredita que possui total consciência de tudo que se passa dentro de si, de seus sentimentos, motivos, impulsos, crenças... Entretanto, se todos nós fôssemos assim, tão racionais, até mesmo com as emoções, não haveria tanta contradição no comportamento humano.
“suas ideias não correspondem aos fatos...”
Já ouvi muitas pessoas se proclamarem senhores de si mesmo, com afirmações do tipo, eu sou assim, eu sou assado, ajo assim quando acontece isso, ajo assado, quando acontece aquilo. Mas as contradições são evidentes e perceptíveis no dia a dia. Isso por que é muito difícil definir um indivíduo com palavras, pois as palavras limitam as definições. Um indivíduo, seja como for, simplesmente por ser humano, é complexo o suficiente para não ser possível defini-lo com palavras. Ainda mais se definido por outro indivíduo também complexo e misterioso para si mesmo. Todos nós, somos profundos e complexos a ponto de sermos um mistério até para nós mesmos.
Aquilo que revelamos ao mundo é apenas a máscara do nosso condicionamento e dos nossos vícios de impressões.
O que diferencia, nesse sentido, uma pessoa de outra, é a disposição e a capacidade para reflexão e introspecção que cada uma tem, na tentativa de enxergar verdadeiramente suas motivações interiores. E mais, para discerni-las e agir de maneira coerente consigo mesmo.
Não é fácil e nem sempre agradável olhar para dentro e se deparar com os sentimentos que mais abomina. Nem sempre é agradável olhar para dentro e perceber-se fraco ou inseguro. Todo mundo quer ser virtuoso, bem resolvido, convicto, seguro... e muitas vezes, em nome disso recusa-se definitivamente a analisar-se em suas mais genuínas características.
Já olhou para dentro hoje? Já se perguntou se não está fazendo papel de bobo achando que ninguém vê aquele sentimento que você dissimula o tempo todo? Já pensou no que o faz sentir cada coisa e nos motivos mais profundos?
Pensar nisso causa desconforto e também liberdade. Uma liberdade diferente desse conceito comum que temos. A liberdade de ser quem é, simplesmente. Liberdade de ser e sentir aquilo que vem da alma, pagando um preço por algo que vale a pena, só por que é verdadeiro e não uma ilusão. Sendo assim, essa liberdade a que me refiro, é a liberdade da ilusão de ser o personagem que criamos, não para o mundo, mas para nós mesmos. 
Já pensou que as pessoas que verdadeiramente te amam, provavelmente enxergam aquilo que você não vê em si mesmo e te aceitam tal como você é?
E quando nos deparamos com um afeto verdadeiro por outra pessoa, não aceitamos esse sentimento mesmo após reconhecer características no outro que consideramos defeitos?
O sentimento, seja qual for, assim como o amor, os afetos, ou desafetos não necessitam ser ditos para serem percebidos. Pois são demonstrados de forma direta ou indireta.
Ser sensível aos sentimentos de modo geral, transforma o individuo, modificando-o na alma, criando um ser imerso nos sentidos e sensações percebidas por eles.
A alma repleta de sentimentos, navega, transitando entre uma sanidade aparente e uma espécie de insanidade emocional, aos olhos de quem não é capaz de perceber a multiplicidade das possibilidades que esses sentidos proporcionam.
Continua...