quinta-feira, 12 de outubro de 2017

O céu e o inferno somos nós e os outros... nada mais!





Costumava fazer uma reflexão com meus alunos na época em que fui professora de E.R. acerca da hipocrisia do amor e da fraternidade entre aqueles religiosos que se julgam bons. Na verdade eu questionava a coerência entre discurso e ação das pessoas no que diz respeito a virtude, utilizando como cenário a ideia do veredito eterno divino. Supondo que seja verdadeira a teoria de que haverá um juízo final e que aqueles que não forem "bons" o suficiente serão condenados a purgar eternamente no inferno ou sei lá onde. Ou passarão por um período na churrasqueira cósmica do Capeta (como bem descreve minha querida filósofa Lourdes Santos) até que entrem na linha, ou seja, que se encaixem no modelo judaico cristão de virtude e possam merecer o paraíso eterno. 


Sugeria que pensassem na hipótese de que uma pessoa amada e querida fosse condenada ao inferno e eles ao paraíso. Perguntava a eles se conseguiriam permanecer em paz no jardim bucólico divino, cantando com passarinhos eternamente enquanto um irmão agonizava eternamente nas labaredas do Capiroto.

Primeiramente eu me pergunto que tipo de Deus condenaria alguém a uma coisa tão bizarra! Mas essa não é a questão!
A pergunta que eu fazia aos meus queridos alunos era se eles conseguiriam deixar essa pessoa, seja quem fosse, no inferno agonizando para sempre caso eles fossem para o paraíso. Se o coração deles ficaria em paz, se conseguiriam ser felizes enquanto os outros sofrem. De modo geral as religiões não dizem que somos todos irmãos? Não dizem que temos que amar uns aos outros? Dei-me conta de que essa fraternidade é relativa quando se trata da condenação eterna sob o frágil argumento do livre arbítrio.

Pois bem, pra completar (lacrar!) eu dizia que se eu fosse para o paraíso eu pediria uma audiência com Deus para pedir permissão para ir ao inferno ajudar os meus irmãos... Quanta ingenuidade da minha parte!

De fato eu estava bem intencionada. Imbuída de um sentimento de fraternidade, de coletivo, de amor ao próximo, me julgando perfeitamente (e arrogantemente) "boa" e capaz de, se fosse o caso, descer aos infernos para resgatar um irmão que sofre. Se fosse minha filha então, acabaria com o Capeta a tridentada!
Hoje, um pouco menos delirante, reflito sobre isso de outra maneira. Dei-me conta de que descemos ao inferno constantemente, sem que seja necessário que venha um Deus bater um martelo sobre meus pecados.
No meu caso, sofro profundamente quando testemunho atos atrozes contra pessoas que eu nem conheço, imagine quando alguém perto de mim está sofrendo? Imagine quando um infortúnio acontece em minha vida... Me vi por muito tempo empenhada em contagiar as pessoas a minha volta com as ideias da fraternidade, da acolhida, da espiritualidade, do amor ao próximo, do respeito e consideração com os sentimentos alheios, com a empatia e autoconhecimento. Passei anos repetindo todos os tipos de argumentos possíveis com meus alunos e amigos a respeito disso e sinceramente sinto que a maioria foi indiferente ou não compreendeu. Talvez eu não tenha me expressado bem! Ou quem sabe o problema seja a concorrência! Ou até quem sabe Rubem Alves tenha me dado a resposta há tanto tempo com a sua metáfora da pipoca e eu só agora a compreendi realmente!
O fato é que compreendi que eu estava equivocada em acreditar que eu poderia ajudar alguém indo aos infernos levar alguma luz, pois dei-me conta de que muitos simplesmente não querem sair de lá. Não me acreditam e até riem de mim enquanto gozam de seus prazeres efêmeros. Ou até mesmo me tacam pedras, ofensas... Muitos dizem acreditar em Jesus, mas se o próprio aparecesse diante deles não acreditariam e talvez rissem dele também dizendo: La vem ele com esse papinho de amor ao próximo. Que piegas!
Talvez para essas pessoas Deus seja como um Zeus da mitologia grega que esbanja poder lançando raios naqueles que despertam a sua ira ou contrariam os seus caprichos.
Entendi que eu ainda não tenho cacife para ir aos infernos (ou a lugar algum rsrsrs) "salvar" quem quer que seja de sua agonia, pois estou tentando "salvar" a mim mesma da minha humanidade demasiada humana. E que para além das metáforas existe alguém que não se esconde atrás de teorias bonitinhas e que descobriu que quanto mais disponíveis estamos, mais somos julgados e crucificados.  
Cada consciência deve salvar a si mesma do individualismo, do niilismo, do egoísmo, da confusão de sentido.
Eu realmente não  acredito nessas teorias de céu e inferno metafísicos. Mas acredito que temos o céu e o inferno dentro de nós e que cada um precisa aprender a distinguir esses mundos dentro de si e perceber que todos nós passamos pelo inferno se quisermos chegar no paraíso. E que nenhuma teoria te ajuda na hora do sufoco.
Quando adolescente eu tinha muitas ideias de morte. Mas nunca por não querer viver. Mas por acreditar que há de existir em algum lugar uma dimensão mais evoluída em que os seres de fato vivam a fraternidade tão lindamente pregada por aqui nessa dimensão. 

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