Hoje o dia é para falar sobre
os fantasmas da existência. O que penso que sejam e como entendo que funcionam.
Há todo momento criamos
fantasmas e convivemos com eles. Significam nossas experiências dolorosas,
nossas lembranças tristes, nossos medos e inseguranças.
As experiências dolorosas ficam
marcadas em nossa memória afetiva como tatuagens. Elas se configuram por meio
de nossos medos de maneiras inimagináveis.
A maior parte dos nossos medos
é desconhecida por nós mesmos e se manifesta de uma maneira que nem sequer
supomos. É o que Freud chamaria de “manifestações do inconsciente”. Krishnamurti
chamaria de condicionamento, que nada mais é do que um modelo inconsciente não
percebido pelo ego, e Augusto Cury chama de janelas killer, que significam uma
crença estabelecida a partir de uma experiência significativa, que desencadeou
algum modelo de comportamento. Poderia citar Lao Tse, Osho, Masaharu Taniguchi
e outras personalidades que falam sobre a mesma coisa, cada qual a partir de
uma ótica específica.
Eu gosto de chamar de
fantasmas. Um fantasma é alguém morto que volta para estar com os vivos,
assombrando, perturbando e querendo estar no tempo errado, se recusando a
permanecer no passado.
Mas nesse contexto simbólico,
esses fantasmas representam algo que não conseguimos deixar morrer, uma
experiência que não superamos e que alicerçou algum padrão conflituoso em nós.
Todas as vezes que nos
deparamos com alguma situação de conflito interno, devemos procurar observar a
motivação que existe em nós para gerar o conflito. A motivação normalmente se
manifesta no desejo. O conflito só existe quando existe desejo. Se não há
desejo, não há conflito. E quem deseja é sempre o ego. O “eu” deseja tudo,
projetando a satisfação no objeto. Antecipando um prazer idealizado na figura
ou cenário almejado.
Mas não condenemos o senhor
Desejo. Ele é o responsável por tirar o homem da inércia. É o desejo, o
impulso, a necessidade. Se não houvesse nada disso, o homem sucumbiria a
própria existência.
O desejo existe justamente para
gerar conflito e com isso experiências, que por sua vez geram mais conflitos,
que geram amadurecimento e libertação do desejo. Parece tão contraditório.
Paradoxal, diria! Mas o que é a existência se não algo somente e
extraordinariamente paradoxal?
A diferença é que saímos de um
estagio de não desejo ignorante, no sentido próprio da palavra mesmo, para um
sentido de não desejo consciente. Atenção à palavra consciente. O que ela quer
dizer: Com ciência. Estar ciente, saber. Não basta ser uma pedra e não ter
consciência de que se é uma pedra e que existe. Uma pedra não pensa que é uma
pedra (ao menos não sabemos disso). Não sabemos nem mesmo se um animal como um
cachorro, ou uma vaca pensa em si como um cachorro ou uma vaca! Tanto pensamos
que eles não pensam, que elegemos alguns deles para comer apenas por prazer. O
ser humano tem consciência de que é um ser humano e se autodefine de várias
maneiras. Também se descobre como indivíduo biológico e espiritual. Questiona-se
sobre a própria existência e contempla suas dimensões material e transcendental
– racional e emocional. Mas nunca sabemos onde, exatamente, está a linha que
separa cada dimensão. Nossas conjecturas humanas são, de tal forma,
superficiais, que não passam de elucubrações. Ainda há tanto a se saber sobre o
que se há pra saber!
A mente funciona como um grande
computador processando todos os comandos que lhe foram programados. Muitas
vezes uma programação causa extremo conflito e o conflito gera angustia, a
angustia gera dor e a dor gera movimento, que por sua vez gera mudança, que
promove a experiência, que vira conhecimento e por fim evolução – não necessariamente
nesse dinamismo.
Eu poderia citar a harmonia pré-estabelecida
para explicar como vejo a parte da direção, (do rumo do processo) mas já me
alonguei demasiadamente nesse post. Tenho que deixar assunto para a próxima.
Por hora permaneço mais
restritamente no assunto dos fantasmas. Quando eles nos assombram, devemos
confrontá-los. Perguntar o que querem resolver e por que ainda estão ali. E sem
ditadura devemos apresentar as novas “regras” do momento presente. As regras do
aqui e agora devem ser estabelecidas sempre no aqui e agora. O agora é o ponto
do poder. Não precisamos seguir regras internas estabelecidas em algum momento
do passado com base em alguma experiência mistificada, que não existe mais.
Lembro-me bem de um momento da
minha vida que me dei conta de que seguia uma regra estabelecida em algum outro
momento insignificante da minha infância. E foi exatamente como quem não quer
nada que me dei conta de que eu não era obrigada a permanecer em nenhum
ambiente em que me sentisse hostilizada. Seja de que maneira fosse. Mesmo que
essa hostilidade fosse imaginada, mesmo que fosse reflexo de algum complexo
infundado, mesmo que fosse apenas uma impressão equivocada. Nesse dia eu estava
na Itália. Tinha ido tentar uma vida melhor, mais abundante, digamos assim!
Abundante de recursos, de vivências, de experiências... Sem me alongar, passei
por poucas e boas para viver dignamente naquele país estrangeiro. E ao pensar
no Brasil, lembrei-me de alguns momentos de minha infância e de toda uma
história vivida na casa de meu pai, lugar onde sempre me senti inadequada,
indesejada e hostilizada e naquele momento decidi que ao voltar para o Brasil não
mais o visitaria e nem mesmo permaneceria em qualquer outro lugar em que me
sentisse daquela maneira. Devem estar pensando no quão óbvia foi essa escolha.
Mas é preciso sabedoria para enxergar o óbvio da própria vida. Temos preguiça e
medo de ver o óbvio, pois os clichês e as sabedorias populares são tão mais
fáceis e nos “respalda” sempre.
Devo continuar em outro
momento, devido o horário. São 3:55 da manhã. Prometo voltar e concluir.
Um comentário:
Post lindo! Perfeito dizer que é preciso sabedoria para enxergar o óbvio. Maravilhoso!
bjos
Rê
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