sexta-feira, 29 de setembro de 2017

A patologia das relações líquidas



Zygmunt Bauman foi um sociólogo e filósofo Polonês da atualidade, que discorreu sobre uma teoria interessante acerca das relações humanas. Ele utiliza o termo "relações líquidas" para descrever a maneira como as pessoas estabelecem e desfazem seus vínculos. De modo geral ele fala sobre a falta de solidez nas relações atuais.

Até conhecer a teoria de Bauman, eu acreditava que tinha algum problema psicológico ou sofria de alguma patologia crônica de carência afetiva profunda ou quem sabe alguma lacuna de autoestima grave daquelas que requerem auxílio terapêutico. Todavia, minhas observações acerca das relações que tenho vivido e testemunhado entre meus conhecidos tem mostrado para mim que existe uma código velado de conduta com vistas a preservação de um orgulho, confundido com amor próprio e aparência. Percebi que o problema não está necessariamente na minha forma de me relacionar, mas na minha forma de compreender como as pessoas se relacionam.

Ok, admito que sou leonina e levo bastante a sério cada relação que estabeleço. Mas fora essa particularidade da minha pessoa (pouco relevante, diga-se de passagem!) creio que exista uma questão a ser observada na maneira como as relações se dão no momento atual. 
Desde que me mudei para a Europa eu tenho me preparado para a tal frieza do Europeu. Tinha em mente aquele mito de que são muito fechados e que demoram horrores para estabelecer um vínculo com alguém. 



Bem, essa minha experiência me possibilitou perceber algumas coisas e suscitou em mim algumas reflexões sobre as relações. 
A primeira delas é que de modo geral não existe muita diferença no que diz respeito à liquidez nas relações, sendo aqui ou no Brasil. Mas... existe algo interessante que faz toda a diferença para mim.



Eu tive algumas experiências que descreveria como traumáticas em relação as amizades no Brasil (tá, estou sendo dramática!!!).

No Brasil as pessoas são aparentemente mais disponíveis para as amizades. Aparentemente mais acolhedoras e afetivas e em cinco minutos que conhecem alguém já abrem toda a história de sua vida. Isso não acontece aqui. Pelo menos até onde pude observar. Essa diferença é crucial na vida de pessoas como eu! Crucial e positiva, diria! Pois é menos comum ocorrer essa banalização dos afetos, como acontecia nas minhas relações no Brasil. Eu sinto que aqui as pessoas são um pouco mais carentes, todavia, muito mais sensatas ao decidirem se estão ou não dispostas a estabelecer uma relação com você e não saem por aí declarando amor profundo se isso não for de fato real. Diferente no Brasil, que existe uma histeria momentânea em que a pessoa é sua melhor amiga, te declara amor profundo e admiração e após algum tempo, sem nenhum motivo aparente, ela se torna completamente indiferente a quem você é, ao que você faz e ao que você sente.

No Brasil também acontece uma coisa muito bizarra que ainda não tive o desprazer de presenciar aqui. Devido a esse momento crítico no cenário político brasileiro em que a sociedade se divide entre duas principais ideologias extremas, se posicionar pode ser definitivo nas suas relações de amizade. Não se posicionar também. Tenho quase certeza que para alguns eu sou vista como coxinha e para outras, mortadela! Já teve gente que até me excluiu do facebook (símbolo máximo de rompimento de vínculo, na atualidade!) por eu manifestar minha opinião em relação a alguma questão política. Não consigo nem mesmo lamentar esse tipo de atitude, por que faz parte desse contexto em que "se conhece e se julga uma pessoa pela sua opinião em relação ao bolsa-família".

Não entendo essa categorização do sofrimento alheio em escalas de importância e a radicalização das análises em contextos unilaterais. Olhar todo o mundo e todas as pessoas por meio de um só paradigma, o social, não me satisfaz. Eu acredito que exista mais de uma forma de ver o mundo e as pessoas. Amar o próximo quando ele está lá na África passando fome e falar do sofrimento dele é lindo... mas ser empático ao seu vizinho que está com depressão querendo se matar também pode ser uma boa maneira de demonstrar toda a sua virtude. 

Falar de fraternidade em um encontro religioso ou entre seus melhores amigos é lindo... mas acolher aquela pessoa que estuda ou trabalha com você na mesma sala também é uma forma de expressar as suas virtudes. 

Virtude, minha gente, é o que o mundo precisa. Falar de amizade quando alguém te magoa é preciso. Mas sustentar uma amizade quando as opiniões são diferentes é fantástico.

Em tempos de generalização e falta de empatia, em que valem mais os discursos bonitinhos do que a prática, em que o problema está sempre no outro, vou tentando entender o que está acontecendo.

Empatia só serve se for do outro para comigo, ou do outro para com o pobre ou o oprimido, ou do outro para aquele que EU julgo vítima! Se cada um tem um critério para determinar quem é merecedor da empatia, então estamos perdidos enquanto sociedade. Por que posso estar ao lado de alguém que está agonizando enquanto eu categorizo o sentimento dele dentro daquilo que eu julgo válido, e não no que é real. 

Acredito que todos os que são sensíveis e empáticos padecem desse "mal", que é o de apreciar as relações com as pessoas, amigos e familiares, de maneira intensa. Pessoas assim não tem medo de entrar em uma relação e de se doarem a ela. Em contrapartida se frustram muito mais com as pessoas líquidas!
Quando eu decido ser amiga de uma pessoa eu sou mesmo! Não tem essa de ser hoje e amanhã não ser mais. Não tem essa de falar com a pessoa hoje e amanhã ser indiferente a ela! Serei para sempre e apreciarei para sempre aquela amizade não importa o quanto essa pessoa seja diferente de mim, tenha convicções políticas, ideológicas ou filosóficas diferentes. Não me cabe julgar. Creio que no final das contas todos estão em busca de um mesmo propósito na vida, a diferença é que acreditam em um caminho diferente para chegar a ele. E antes que julguem que sou uma romântica ingênua, já me adianto perguntando se por acaso esse não é o maior medo de alguém que não consegue se predispor a olhar  o outro com a empatia tão falada nos discursos lindos de tolerância que vejo as pencas nas redes sociais. Aquele que me julga ingênua é o mesmo que tem medo de se frustrar nas relações e por isso se mantém sempre no mesmo círculo de amizade de uma vida inteira ou se colocam em uma distancia afetiva segura do outro.

É claro que se uma pessoa passa a me tratar com indiferença, ao meu ver, sem algum motivo aparente, eu não vou continuar investindo nessa relação. Mas até que isso aconteça seremos amigos e pronto! E para mim, ser amigo é ter a liberdade de expor sua opinião, sem temer que a pessoa desapareça depois. 

Realmente é preciso coragem para se relacionar verdadeiramente com as pessoas nesse mundo de apologia ao mecanicismo. Eu não sou uma máquina e eu não tenho medo de me ferrar por me doar demais em uma relação não recíproca.

Pois como bem me ensinou mamãe, pior que ser uma pessoa que vive apenas para servir o próximo, é ser uma pessoa que sabe apenas ser servida. Deve ser uma miséria de ser humano esse que quer apenas ser servido.  


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